Hai uns meses merquei en DVD Cidade de Deus, a apabullante película de Fernando Meirelles que retrata as violentas interioridades dunha favela de Río de Janeiro. Tecnicamente moi brillante, Cidade de Deus funciona como espectáculo vistoso e áxil, inzado de acontecimentos (case sempre brutais) que fan que aturemos sen dificultade as súas algo máis de dúas horas. Esa amena sucesión de disparos e cadáveres arredor do apaixonante mundo do lumpen brasileiro non consegue, porén, provocarme verdadeiras emocións. Podería explicarlles as razóns, mais xa fixo tal Ivana Bentes, quen para describir esa tendencia a mostrar a miseria con glamour e afastada de calquera reivindicación ideolóxica acuñou o concepto de "cosmética da fome", nome que parafrasea, claro, o mítico manifiesto Uma estética da fome co cal Glauber Rocha fixou as intencións intelectuais do cinema novo.
Nunca houve tanta circulação e consumo de imagens da pobreza e da violência, imagens dos excluídos, dos comportamentos ditos "desviantes" e "aberrantes". A violência e a denúncia de crimes se tornou quase um gênero jornalístico. O que seria interessante se essas imagens não viessem frequentemente descontextualizadas. A violência aparecendo como "geração espontânea" sem relação com a economia, as injustiças sociais, e tratada de forma espetacular, acontecimento sensacional, folhetim televisivo e teleshow da realidade que pode ser consumido com extremo prazer. Así comeza o espléndido artigo Estéticas da Violência no Cinema da profesora Ivana Bentes cuxa lectura recomendo e do cal adianto agora algúns parágrafos:
Glauber propõe uma Estética da Violência, capaz de criar um intolerável e um insuportável diante dessas imagens. Não se trata da violência estetizada ou explicita do cinema de ação. Mas uma carga de violência simbólica, que instaura o transe e a crise em todos os níveis. É isso que faz em Deus e o diabo na terra do sol, Terra em transe, ou em A idade da Terra. Em todos os seus filmes. Afastando-se do realismo crítico, do narrativo clássico e instaurando uma espécie de apocalipse estético que tirasse o espectador de sua imobilidade. Essa proposta que produziu clássicos como Deus e o Diabo na Terra do Sol, Vidas Secas, Rio 40 Graus, Os Fuzis, vem sendo deslocada pela incorporação dos temas locais (tráfico, favelas, sertão) a uma estética transnacional. a linguagem pós-MTV, o novo-realismo que tem como base altas descargas de adrenalina, reações por segundo criadas pela montagem, imersão total nas imagens. Ou seja, as mesmas bases do prazer e da eficácia do filme norte-americano de ação onde a violência e seus estímulos sensoriais são quase da ordem do alucinatório, um gozo imperativo e soberano em ver, infligir e sofrer a violência. A idéia, rejeitada nesses filmes, de expressar o sofrimento e o intolerável em meio a uma bela paisagem, ou de glamourizar a pobreza, ressurge em alguns filmes contemporâneos, filmes em que a linguagem e fotografia clássicas transformam o sertão num jardim ou museu exótico, a ser "resgatado" pelo grande espetáculo. É o que encontramos em filmes como Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, O cangaceiro, de Aníbal Massaini, e mais recentemente em Central do Brasil, de Walter Salles ou Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Passamos da "estética" à "cosmética" da fome, da idéia na cabeça e da câmera na mão (um corpo-a-corpo com o real) ao steadcam, a câmera que surfa sobre a realidade, signo de um discurso que valoriza o "belo" e a "qualidade" da imagem, ou ainda, o domínio da técnica e da narrativa clássicas. Um cinema "internacional popular" ou "globalizado" cuja fórmula seria um tema local, histórico ou tradicional, e uma estética "internacional". Folclore-mundo. (...) Cidade de Deus, de Fernando Meirelles (2002), adaptado do romance de Paulo Lins é o supra-sumo desse novo brutalismo, aqui tendo como referência, entre outros, o filme de gangster, as sagas da máfia, o épico-espetacular e a estética MTV. Trata-se sem dúvida de um filme marco e realmente importante, por relatar a história modelar do tráfico no Brasil. Mas sua narrativa tem outras implicações. Se o livro retratava, quase em forma de colagem, relatos brutais e diferenciados do surgimento e desenvolvimento do tráfico de drogas na favela carioca Cidade de Deus, o filme vai homogeneizar essas falas e criar uma narrativa na primeira pessoa. Conta essa história do ponto de vista de um personagem já clássico no cinema, o "sobrevivente", o garoto Buscapé, irmão de um ladrão morto e que decide ter outro destino, o que não é tão natural como suporíamos. Sua história de conquista desse lugar, o garoto quer se tornar fotógrafo, é o tênue fio condutor de uma série de outras biografias, bem diferentes da sua. As histórias dos jovens traficantes: Zé Pequeno, Bené, Mané Galinha e Cenoura. Para todos eles a maioridade, o "respeito" social, vão ser obtidos pelo exercício da violência e do crime. Uma frase funciona como palavra de ordem desse ritual de iniciação à barbárie: "Não sou criança, não. Fumo, cheiro, matei, roubei. Sou sujeito-homem". Todo o filme, trabalhado numa linguagem super ágil, com elipses virtuosas: passagem de tempo com a câmera girando 360 graus, alteração da linguagem e das cores na passagem da década de 60 para a de 70. As cenas de violência são espetaculares e siderantes, com uma quantidade de assassinatos e violência marcantes. Vinganças pessoais, massacres estratégicos de um bando pelo outro, violência gratuita, violência institucional, todos são encorajados a alimentar esse ciclo vicioso. A favela é mostrada de forma totalmente isolada do resto da cidade, como um território autônomo. Em momento algum se pode supor que o tráfico de drogas se sustenta e desenvolve (arma, dinheiro, proteção policial) porque tem uma base fora da favela. Esse fora não existe no filme. Entre as cenas mais violentas estão a que mostram um grupo de crianças obrigados a matarem-se uns aos outros para provar fidelidade ao bando dominante e hombridade. Rituais de iniciação à violência e ao ódio são descritos de forma realista. Em alguns momentos a coreografia da ação e dos corpos que tombam sucessivamente lembram o filme de gangster dos anos 30 e suas regras. Nesse filme mostra-se a fissura e o fascínio dos meninos das favelas pelas armas, pelo exercício do poder e pelo prazer de ser "alguém", de ser temido, de ser respeitado. Se não forem respeitados como cidadãos, serão como figuras da mídia, como criminosos. "Uma arma na mão e uma idéia na cabeça", brinca um personagem. Cidade de Deus é um filme-sintoma da reiteração de um prognóstico social sinistro: o espetáculo consumível dos pobres se matando entre si. É claro que os discursos "descritivos" sobre a pobreza (no cinema, TV, vídeo) podem funcionar tanto como reforço dos estereótipos quanto abertura para uma discussão mais ampla e complexa. em que a pobreza não seja vista somente como "risco" e "ameaça" social em si. Esse talvez seja o viés político, extra-cinematográfico que o filme pode provocar. Já a narrativa nos remete frequentemente para uma sensação já experimentada no filme de ação hollywoodiano, o "turismo no inferno" em que as favelas surgem não como "museu da miséria", mas novos campos de concentração e horrores. O cinema do massacre dos pobres nos prepara para o massacre real, que já acontece e por massacres por vir, como o cinema americano de ação antecipou e produziu o clima de terror e controle internacional e o clamor por "justiça infinita" ? Esperemos que não. A questão é que não estamos mais lutando contra o olhar exótico estrangeiro sobre a miséria e o Brasil que transformava tudo "num estranho surrealismo tropical", como dizia Glauber em 1965. Somos capazes de produzir e fazer circular nossos próprios clichês em que negros saudáveis e reluzentes e com uma arma na mão não conseguem ter nenhuma outra boa idéia além do extermínio mútuo. ¶
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